domingo, 28 de agosto de 2016

Ensaio literário de Pierluigi Bragaglia foi vencedor do Prémio Daniel de Sá 2016

Em entrevista ao jornal «Diário Insular», Pierluigi Bragaglia afirma que “há mistérios do passado [do povoamento e toponímia das ilhas das Flores e do Corvo] que ainda se poderão desvendar, aliando a investigação documental à ousadia da interpretação”.

Venceu o prémio literário Daniel de Sá, na categoria de ensaio, com o trabalho «Novas luzes sobre o povoamento e topónimos das Flores e Corvo: João da Fonseca e António Carneiro no Reino, em São Tomé e Príncipe, em Cabo Verde e nos Açores». Como surge este trabalho? Por que razão decidiu dedicar-se a este tema?

Já me dedico à História do arquipélago há muito tempo, sendo historiador com licenciatura finalizada no longínquo ano de 1992 com tese sobre os Açores e residente na ilha das Flores há 25 anos, durante os quais publiquei várias obras de cariz histórico e/ou turístico, com edições patrocinadas pelas autarquias locais, ou autofinanciadas. Como surgiu este trabalho... Surgiu da gaveta onde tinha acumulado, ao longo de vários anos, uma série de inspirações de múltiplas origens, desde artigos de jornal a livros, páginas da internet, etc. Este trabalho pode definir-se como a edição, o desenvolvimento de um somatório de "palpites" heterogéneos, que ganharam força e que se vieram interligar, como num puzzle, à medida que os fui aprofundando.

Que correlação existe, enfim, entre estas personalidades e estes lugares?

O João da Fonseca é o conhecido promotor da inicial colonização das ilhas das Flores e Corvo, todavia a sua figura sempre foi abordada de forma muito superficial, referido por qualquer fonte de forma automática e repetitiva: o ensaio propõe um esboço biográfico com vários pontos inéditos ou esquecidos. O António Carneiro foi simplesmente a mais poderosa "eminência parda" dos Descobrimentos portugueses, tendo sido aparentemente o "inventor" da própria palavra Descobrimentos, sendo secretário e conselheiro particular de três soberanos diferentes na era dourada da monarquia, envolvido em praticamente todos os assuntos do Reino e do Ultramar. O facto de ter redescoberto, ou revelado e frisado, a proximidade laboral, profissional e até de parentesco de António Carneiro com João da Fonseca, permitiu concluir que o grande secretário - assim como a historiografia nacional o tem recordado - teve uma influência notável também na colonização das ilhas das Flores e Corvo.

Há, na sua opinião, muita História por explorar no que diz respeito ao povoamento e à toponímia que as ilhas das Flores e do Corvo ainda têm?

Com certeza há sempre zonas sombrias, mistérios do passado que no futuro se poderão desvendar, aliando a investigação documental à ousadia da interpretação. O ensaio apenas ilumina novas diretrizes de pesquisa, ao longo das quais penso que ainda muita informação se poderá quantificar e qualificar mais corretamente, retificar e melhorar.

Este trabalho não é o primeiro que desenvolve sobre os Açores. Foi, aliás, autor do primeiro guia turístico sobre o arquipélago editado em Itália. A propósito: como vê esta vaga de turismo que parece estar a chegar à Região? Os Açores estão na moda. As ilhas correm o risco de perder a sua identidade?

Numa Região de beleza paisagística ímpar como os Açores, é natural que o turismo tenha que chegar em números sempre maiores. Ao longo destes anos vividos no arquipélago, através de escritos e palestras públicas, cansei-me de sugerir modalidades de turismo adaptadas à realidade local, não invasivas e amigas da natureza. Em 1995 escrevi o primeiro roteiro dos trilhos pedestres nos Açores, que são hoje uma das ofertas principais da Região, mas que ainda carecem de investimentos adequados, que correspondam à promoção que deles se faz. Houve promessas de turismo sustentável que não foram mantidas, como a definição da carga máxima de turistas por ilha, a abolição de touradas e vacadas, ou a realização inútil de avultados investimentos, como por exemplo a construção do Aquarium no porto de Ponta Delgada, eventos e empreendimentos contrários ao turismo de natureza que supostamente se quer promover. São contradições que é preciso ultrapassar (maltratar e aprisionar animais para o simples lazer dos humanos), por serem só em favor de supostas tradições, ou do lucro imediato e de um "progresso" um pouco descontrolado: penso que ainda estamos longe do que aconteceu esta semana em Veneza, como já acontecera em Barcelona, com os residentes a afixarem cartazes com o slogan TouristGoAway!, ou TouristGoHome!, mas existe sim, nos Açores, o risco de matar a galinha dos ovos de ouro, com uma excessiva "prostituição" do turismo regional. Apesar da propaganda, ainda é preciso definir um caminho para o turismo que se quer, e tomar decisões firmes acerca desse caminho, o que ainda não foi feito.

Está, entretanto, a preparar outras obras sobre os Açores?

A preparar concretamente ainda não, até por estar finalmente a gozar de um ano sabático, após ter saído da indústria turística depois de 25 anos de trabalho continuado, ao vender o bed&breakfast que possuía na Fajã Grande. Todavia, tenciono investir o valor deste prémio Daniel de Sá na pesquisa para a realização de mais uma obra sobre os Açores, uma história extraordinária cujo princípio ainda mora na minha gaveta, e que deverá estar pronta só dentro dos próximos dois ou três anos.

Notícia: jornal «Diário Insular».
Saudações florentinas!!

1 comentário:

Anónimo disse...

Certíssima a análise sobre o turismo nos Açores.
A título pessoal, penso que, nesta área do turismo, o arquipélago deve tornar-se verdadeiramente elitista, barrar completamente o passo ao turismo de massa estilo Algarve que reclama McDonalds, Coca-Cola e entretenimento barato e popularucho, e ousar escolher apenas um turismo com uma diferente consciência ambiental, que respeite e aprecie as paisagens incríveis que o arquipélago tem e que já começam a ser coisa rara por esse mundo fora. Uma oferta de mau gosto (na qual, pessoalmente, incluo vacadas, touradas e actividades análogas) irá pôr em fuga o turismo que aprecia, protege e retira inspiração da natureza e seria um erro trágico para os Açores.