sábado, 11 de junho de 2016

E na onda floresceu um arco-íris

“Além podem ir por um trilho ver aquelas cascatas, as do Poço da ribeira do Ferreiro, que é das partes mais bonitas da ilha e que aparece sempre nas fotografias quando se fala das Flores. Temos aqui a Fajãzinha, temos ali a ribeira Grande, temos naquela primeira plataformazinha, com as suas casinhas de pedra, a Aldeia da Cuada, lá está ao fundo a Fajã Grande que, sempre a andar até ao mar, tem logo a zona balnear e as piscinas naturais, e mesmo lá ao fundo, onde está aquela igreja, é a Ponta da Fajã. Ali umas cascatas muito giras, as do Poço do Bacalhau, a uns dez minutinhos. Aquele ilhéu é o tal ponto mais ocidental da Europa, o ilhéu de Monchique”.

Estamos parados no miradouro, poucas horas depois de termos aterrado na ilha das Flores. O Sol brilha contrariando temporariamente as brumas de que tanto se fala. Já passeámos os olhos por Santa Cruz, a vila que cerca o aeroporto, pela beira-mar, pelos caminhos que nos trouxeram até este ponto, na costa ocidental da ilha. Quem nos aponta as localizações é Sílvio Medina, um dos nossos apoios nesta visita, motorista já com muita experiência em passear turistas. Parados no topo, abre-se em vale lá em baixo, como num abraço verde a terminar no mar, todo este mapeamento que Sílvio vai fazendo apontando o dedo. Seguimos-lhe os traços no ar como se estivesse a desenhar por entre esta overdose de verde e azul. Vemos, sim, como há beleza em tudo isto mas, nesse momento primordial – um momento semelhante ao vivido por si agora, caro leitor, à distância, caso nunca tenha pisado estas terras de que lhe falo – nem conseguimos adivinhar o avassalador quadro vivo que nos irá tomar nos dias seguintes. Para mais, sabendo que esta fértil baía protegida pelas encostas sofreu noutros anos enchentes e derrocadas que a obrigam a contínuo reagir e renascer.

Por aqui haveremos de descer até à Aldeia da Cuada, o nosso primeiro poiso, uma antiga aldeia abandonada que, casa a casa (são já 17), vem sendo recuperada para o turismo por Teotónia e Carlos Silva. Neste terraço de pedra com vista para o mar ficam estas casas de pedra, cada uma com seu espaço de intimidade preservado entre os campos e com interiores recheados tanto de conforto como de pormenores decorativos escolhidos a dedo. Mas sobre elas já saberemos mais daqui a pouco. Para já, queremos escapar-nos para o mar e, da Cuada, fugimos (a passo de caracol) por um túnel vegetal, um caminho deslumbrante protegido por muros de pedra até à estrada, com começo numa Casa do Espírito Santo e término numa velha igreja de Santo António. Vamos depois estrada fora, cirandamos pelas ruas da Fajã Grande, admirando janelas cercadas de pedra, pombas do Espírito Santo a decorar fachadas, janelas onde mostram bonecos e cenas que ainda não compreendemos, casas com baldes para o padeiro deixar o pão, cães simpáticos que decidem acompanhar-nos, cabras e ovelhas que parecem pedir-nos mais erva (o Enric tem uma especial aptidão para dar erva aos bichos), até encontrarmos o senhor Francisco que nos aponta na direcção que queremos.

Já junto ao mar, sentámo-nos nas margens de todo este mundo, que pressentimos nas nossas costas, por entre um Sol forte e pairando numa nuvem de maresia. Será sítio muito concorrido no Verão mas por hoje estamos sozinhos. E ficamos ali, só a olhar o mar, a passear os olhos pelo casario, pelas encostas, por aquela estranha língua de terra que se ergue à nossa frente com casas e igreja, pelas cataratas, pela praia bordada a calhaus ali ao lado, pelas serras de rochas onde se perfilam piscinas naturais. De vez em quando, mesmo ali à nossa frente, uma onda eleva-se para rebentar e no segundo antes de desfazer-se em espuma desfaz-se também em arco-íris. Um fenómeno simples, dizem-me. Um cliché, poderão apontar-me. Ou – atenção caçadores de arco-íris – “coisa frequente. Acontece muito por aqui, mesmo com as cataratas, às vezes olhas e brilha um”, como me dirá o Milton, o nosso especialíssimo anjo da guarda providenciado pelo Turismo dos Açores. A mim o que me interessa é que, logo ao primeiro arco-íris recortado em espuma, se me iluminou um sorriso que nenhum nevoeiro conseguiria apagar até ao final da viagem. Muito pelo contrário. Até neste momento em que vos escrevo, a memória volta a chamar esse sorriso para este check-in na ilha das Flores.


Notícia: blogue «Em Viagem» do jornal «Público».
Saudações florentinas!!

1 comentário:

Anónimo disse...

Belo texto poeticamente descritivo. Sabe-nos bem,a nós que vivemos neste torrão,no meio do mar plantado,imaginando o Oeste,como o fez Pedro da Silveira. Obrigado ao autor(a)que o viveu e escreveu.
Há dias pronunciei-me aqui,em sentido contrário,desiludido e amargurado,após ler um texto de Filomena Mónica,escritora conhecida e de reconhecido mérito,que pelo que descreve não conseguiu descobrir estas maravilhas tão evidentes.Fala mesmo de uma realidade que não é a nossa. Ninguém é obrigado a gostar de nada, mas negar a evidência é não querer ver o que nos cerca.