Finalmente, as ilhas das Flores e Corvo!
Há certos livros que por muitas vezes que os leiamos encontramos sempre coisas novas. As palavras e os símbolos estão cristalizadas no texto, mas os leitores fruem deles a perenidade da sua leitura renovada.
Com os Açores, acontece-me o mesmo. Em quarenta anos de visitas assíduas a ilhas que derramam encanto, entre as veredas, fragas e escarpas, respiro a espiritualidade do meio envolvente e vou-me apercebendo de aspetos e de matizes em que antes não reparara. Finalmente rumei à ilha das Flores. A minha amiga escritora perguntava-me frequentemente: “Quando cá vens? Foste ao Faial e ao Pico, era só uma saltada!”. Tinha visto muitas fotografias e lido poesia inspirada na ilha das Flores, mas é a estreme realidade que nos transmite a vivência local. Logo no primeiro dia visitei a Calheta. No patamar das escadas que descem para a praia deparei-me com um silêncio e uma quietude envolvente. Balbuciei algo, mas senti que devia permanecer calado. Algumas crianças e adultos banhavam-se calmamente no suave esparrame das ondas – senti que tinha entrado no paraíso descrito pelo escritor açoriano João de Melo em “Um Lugar caído no Crepúsculo”. Mas este era um paraíso de águas tépidas e límpidas. Fui visitar as quedas de água. A tabuleta na estrada indicava que a Alagoinha distava oitocentos metros. “É canja!” - pensei eu na ignorância do percurso. O cenário deslumbrante foi a concretização da passagem do purgatório para o céu. Suei as estopinhas, mas fui recompensado com uma das paisagens mais fantásticas que observei.
Cada milímetro quadrado de terra e cada torrão têm uma planta, o que torna as Flores uma ilha verde. Na verdura da paisagem pouca gente se vê, pelo que foi uma surpresa ver a multidão e os carros que se juntavam nas Sopas do Espírito Santo. Quem pede ao Espírito Santo pede para os outros e não para si. Como cada um de nós é o próximo dos outros, todos recebem e todos pedem. Eu recebi o convívio de muita gente - açorianos e continentais - enquanto saboreávamos a carne colocada numa fatia de pão mergulhado no caldo da cozedura com aroma a hortelã e regado com vinho tinto. A Casa do Espírito Santo recebia-nos a todos. Prefiro a designação de Casa do Espírito Santo a Império, pois a Casa de Deus é a nossa casa e o Império lembra o poder temporal dos exércitos.
Ao visitar a Fajã Grande, que é a freguesia mais ocidental da Europa, pensei quão enganados estão aqueles que afirmam que Portugal é um país periférico. O navio-escola Sagres, fundeado nas Lajes, recordava que Portugal fica situado no meio do Atlântico, entre a Europa e a América. Tinha sido algo difícil a viagem de automóvel até à Fajã devido ao nevoeiro. Mas, como alguém dizia, o nevoeiro vai e vem e não tardou a aparecer o Sol, que dimanava sobre as copas das árvores.
Os Açores é uma terra de gente culta, que tem dado a Portugal grandes escritores. Nesta visita tive oportunidade de conhecer pessoas de grande valor intelectual, quer florentinos, quer estrangeiros.
Dado o meu temperamento, nunca me imaginei a viajar num barco semi-rígido para a ilha do Corvo, alapado no banco traseiro. Mas como somos um país de marinheiros, não quis fugir à tradição. As grutas da ilha das Flores são soberbas, especialmente a Catedral, e só podem ser visitadas de barco.
No Corvo tive uma grande surpresa. Sempre ouvi dizer que nesta ilha as portas não têm fechadura. Verifiquei que, além de terem fechadura, muitas delas têm cadeado e correntes. Numa reportagem da televisão, a ilha aparecia sem automóveis, o que não corresponde à realidade. A subida à caldeira valeu a viagem. Dizia-se que os pequenos montes, formando o seu relevo, representavam, em miniatura, as ilhas do arquipélago.
De regresso à ilha das Flores, tivemos a grata companhia de uma comunidade de roazes, que nos seguiram e rodopiavam, a bombordo e a estibordo, fazendo cabriolas à nossa volta enquanto navegávamos em círculo.
Na próxima visita aos Açores, continuarei a encontrar algo que nunca antes vira, apesar de anteriormente ter estado mesmo em frente dos meus olhos, tal como acontece com as equações e os símbolos dos livros da Matemática.
A Graciosa e Santa Maria são as próximas páginas do livro.
Opinião de Carlos Garrido, publicada no jornal «Açoriano Oriental».
Saudações florentinas!!
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